quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A Meritocracia e sua Irrelevância


Hoje faz exato um ano que optei por seguir a carreira militar através da Efomm (Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante). Estava em dúvida entre ela e uma viagem aos EUA, para aperfeiçoar o inglês e fazer o exame do TOEFL, já que até então queria cursar faculdade no exterior.

Por influências e pela minha insaciável curiosidade pela vida militar, cancelei minha viagem aos EUA já planejada por meses, comprei o material exigido para ir à Marinha e ao período de adaptação, que eram de três semanas, e viajei no dia 4 de janeiro.

Se tivesse que dizer uma das decisões mais importantes que já fiz na minha vida, diria que ter ido à Belém, onde fica a Marinha Mercante, seria uma dessas (fora a decisão de pedir baixa das Forças Armadas).

No período de adaptação aprendi lições inesquecíveis, abandonei certos preconceitos e deixei meu orgulho um pouco de lado, passei a lavar banheiro, espremer pano imundo com minhas unhas recém feitas (que dó), levar esporro de graça sem poder revidar, pagar flexão, correr com fuzil e ser acordada de madrugada. O que mais levo de legado da marinha, no entanto, foi a disciplina que ganhei e a paciência para conviver com pessoas completamente diferentes de mim. Aprendi a lidar melhor com meus problemas e a superá-los.

Infelizmente nem sempre fazemos tudo corretamente, e o que fiz de errado lá vou levar comigo pra sempre. Arrependimento há, infelizmente não podemos apagar as besteiras que fazemos ou dizemos, mas ao menos aprendemos com eles.

Enfim, mesmo com tantas coisas boas que fazia por lá, mesmo com tantos aprendizados, eu não poderia ficar calada diante de uma única coisa que realmente me incomodava e que conseguia fazer com que tudo que havia aprendido fosse minimizado por ela: a hierarquia sem a meritocracia.

Nunca entendi como pode haver hierarquia sem a existência de uma meritocracia. Isso é incabível, inadmissível e completamente questionável (o problema é que “questionar” é um verbo inexistente no dicionário militar). Por que uma pessoa é mais importante que outra simplesmente por que chegou dois, três anos antes? E se uma novata for melhor instruída para o cargo da superior, por que não pode ocupá-lo?

Ao ingressar nas Forças Armadas, se uma pessoa A entra no mesmo dia que a pessoa B, elas serão capitãs no mesmo período de tempo, tardarão o mesmo período pra chegar a major, general e assim por diante. Então, não importa que a pessoa A trabalhe mais, se esforce mais ou estude mais que a pessoa B, elas serão sempre iguais. A falta de mérito desestimula pessoas como a A e faz com que se acomodem à mesmice. Isso não aconteceria numa empresa privada, mas isso não vem ao caso agora. Voltemos à questão hierarquia versus meritocracia.

Uma vez, em uma palestra na Marinha, nosso antigo ComCA (Comandante do Corpo de Alunos) nos disse que se após horas numa fila, faltasse apenas duas pessoas para sermos atendido e alguém superior a nós entrasse no recinto, deveríamos dispor de nosso lugar na fila a ele e irmos ao seu final. Afinal, a pessoa é superior a mim!

Outro exemplo dado por ele foi de uma vez, quando jantava com sua esposa num restaurante já lotado, e um superior apareceu com sua esposa para jantar. Como não tinha mais lugar, estavam deixando o restaurante, quando o comandante foi até lá e perguntou se eles queriam o seu lugar no restaurante. Como assim? E a comida já na mesa? E a esposa do comandante, como ficaria? Ela não merece respeito também? Que princípios são esses que aprendemos? Há quem diga ser respeito. Eu digo ser humilhação, desrespeito e injustiça para com quem chegou antes, para com quem realmente trabalha e deveras quer crescer.

Voltando ao primeiro caso, ao caso da fila, e se eu não vir um superior entrando? Não preciso doar meu lugar na fila? Ótimo, então vou sempre fingir que nunca vi superior algum, pois não me sujeitarei a uma tirania dessas, tampouco exigirei que alguém se sujeite a isso por mim.

Hierarquia, sim. Porém sem meritocracia, jamais.

2 comentários:

  1. Entendo muitíssimo bem sua situação. Fui cadete da AMAN e não me arrependo de ter saído. No mundo militar, infelizmente, o número de estrelas no ombro de alguém determina o valor de verdade de suas palavras. Isso é ruim e desestimulante para ambiciosos (como eu e vc) que querem crescer e agregar valor à instituição.
    Pois bem, hoje agrego valor à renomada FGV-SP e estou muito feliz! Espero que vc se realize na Castelli.

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  2. Nunca imaginei que alguém me entendesse tão bem quanto você. Mas é exatamente isso que eu digo a cada um que me pergunta sobre minha infelicidade profissional. Parabéns pelas escolhas, espero em breve fazer escolhas semelhantes.

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